Este projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes – FUNARTE no edital Bolsa Funarte de Residências em Artes Cênicas 2010.

sábado, 9 de julho de 2011

Shakespeare and Tchekhov





Olá amigos! Bem, chegamos ao final da jornada empreendida por mim na Ecole Philippe Gaulier: Shakespeare and Tchekhov. Começo por dizer que este curso foi uma cereja no bolo, uma bela forma de se encerrar a jornada que empreendi com Gaulier ao longo destes 8 meses de estudos em sua escola. Lembro que antes das férias, quando encerramos o difícil workshop de Melodrama, onde, segundo Gaulier, pudemos aprender uma série de “regras do teatro”, perguntei para ele: – Em Shakespeare/Tchekhov a abordagem será similar ao Melodrama? – ao que Gaulier respondeu: - Totalmente diferente. Confesso que foi uma alívio saber disso. E realmente foi diferente. O workshop durou 5 semanas, onde nas duas primeiras nos dedicamos mais à abordagem de cenas de Tchekhov e nas três últimas mais à Shakespeare. A dinâmica do workshop era relativamente simples. Gaulier geralmente selecionava uma cena a ser trabalhada naquele dia e pedia para dois atores de língua inglesa lerem o texto, geralmente diálogos entre dois personagens. Depois Gaulier pedia que casais se formassem e fossem para a cena dançar uma música juntos. A idéia aqui era a de encontrar duplas com uma boa cumplicidade para que, num segundo momento, estas mesmas fossem realizar uma improvisação da cena que anteriormente foi lida. A primeira cena que trabalhamos se dava entre as personagens Marina e Astrov, de Tio Vânia, se não me engano a primeira cena da peça. Philippe colocava então casais para dançar com uma bola entre as testas, e, depois, tirava a bola pedindo que o casal mantivesse a mesma ligação que tinham quando a bola se encontrava entre eles. Aos poucos os atores podiam então colocar o texto, prestando atenção para que este fosse afetado pela qualidade de contato e cumplicidade entre a dupla. Mais adiante, o mesmo exercício podia então ser desdobrado numa cena de ordem mais realista, usando a ambientação que o texto sugere.

Outra forma de trabalho muito utilizada por Gaulier foram as “audições”. Gaulier lançava mão de um recurso que eu chamaria aqui de “desvio imaginativo”, isto é, propunha uma improvisação que não tratasse exatamente da mesma situação anteriormente lida em alguma cena, mas que, de alguma forma, se avizinhasse do território do personagem que seria abordado. Foi assim com Lady MacBeth, por exemplo. Philippe pediu para que dois atores lessem uma cena entre MacBeth e Lady MacBeth, onde a última trama a morte de Duncan, possibilitando assim a ascensão de MacBeth ao trono, cumprindo a previsão antes feita pelas bruxas da peça. Esta era a cena para ser jogada num segundo momento, pois antes, qualquer atriz que quisesse fazê-la deveria passar pela audição proposta por Gaulier. Esta audição tratava-se de uma improvisação com a seguinte situação: uma mulher, que mora próximo à Barbes Rochecuart (rua que fica em um bairro mais popular de Paris) vai um dia passear na Champs-Élysées, e vê, numa vitrine, um casaco pelo qual se apaixona. Tal casaco custa muitíssimo dinheiro, e mesmo que o marido desta senhora economizasse o salário de meses, certamente ainda não seria o suficiente para comprá-lo. Um dia a mulher resolve convencer o marido para que este compre o casaco para ela, para isto, ela transou com ele na noite anterior, fazendo todas as suas vontades, acordou, tomou banho, colocou o perfume que o marido gosta, preparou um café da manhã magnífico para o mesmo. O marido então libera o cartão de crédito para que ela retorne à loja da Champs-Élysées. Esta é a história anterior ao início da improvisação que, de fato, começa a partir do ponto a seguir: ela retorna a loja da Champs-Élysées e um funcionário a atende perguntando o que ela deseja. Ela então pede para experimentar o tal casaco da vitrine. O funcionário a alcança. Ela veste o casaco. Quando a atriz veste o casaco, deve fazer com que a platéia perceba uma modificação comportamental, como se o casaco lhe deixasse muitíssimo mais bela, poderosa, elegante etc. Se a atriz consegue este “estado”, ela então tem a permissão de Gaulier para dar um texto de Lady MacBeth, apenas um trecho daquilo que foi lido anteriormente. Sendo bom, perspicaz, convincente etc, a atriz então está selecionada para improvisar a cena como Lady MacBeth junto ao ator que fará seu esposo e general.
Esta dinâmica de audições aconteceu para a realização de vários outros exercícios de improvisação em cima de alguma cena específica tanto de Shakespeare quanto de Tchekhov. Elas possibilitavam uma aproximação do ator do universo proposto por uma cena, também ajudando a tirar qualquer tipo de solenidade excessiva no tratamento de um texto de Shakespeare e Tchekhov, isto é, traçando um paralelo entre as profundas situações dos textos com uma escala menor mais presente no “cotidiano”, revelando que, antes de tudo, aqueles personagens são também humanos, como nós mesmos, com seus desejos, frustrações, sentimentos etc. Ainda sobre a Lady MacBeth, por exemplo, uma tendência das atrizes era abordá-la de forma com que a mesma fosse brava, ríspida, por vezes quase uma vilã melodramática, com falas bélicas e gritos de general. Ao perceber esta tendência em uma atriz, Philippe trabalhou com a mesma no sentido de encontrar uma calma e doçura na Lady, e apontou ao grupo de que fazê-la raivosa é muito pequeno para uma personagem como Lady MacBeth, salientando que a mesma é muito mais tridimensional e complexa, guardando certa doçura da qual lança mão para conquistar MacBeth e fazê-lo executar seus planos maldosos, mostrando-nos uma possibilidade da mesma não ser má apenas por ser má, mas, antes disso, ser ambiciosa e sonhar com o poder e a fortuna, sendo estas as razões que a movem e não a maldade em si.

Paralelo a estes trabalhos, a partir da segunda semana tivemos a liberdade de propormos cenas à Gaulier, sobre as quais ele trabalhava conosco depois. Neste sentido, um ator, ou uma dupla, ou um grupo, poderia decorar um texto e propor uma pequena cena. Gaulier então absorvia o caminho proposto e por vezes seguia este, mas, na grande maioria das vezes o mudava completamente. O exercício de um ator pode esclarecer. Um ator da África do Sul propôs um dos monólogos de Hamlet. Apresentou este sem muitos elementos de cena, de forma mais crua, mas bastante “clássico” ao dar o texto, com uma solenidade de quem “precisa dizer um texto de SHAKESPEARE”, de certa forma sobrecarregado com isso. Então Gaulier lembrou que na semana anterior ele nos tinha dado como cena a ser trabalhada uma das cenas das bruxas de MacBeth. (explico melhor depois, mas o fato é que tínhamos sempre uma cena para trabalhar durante a semana para ser apresentada sempre às sextas-feiras). Gaulier lembrou que este ator teve um grande prazer em jogar uma das bruxas, e, depois de um tempo, tentando diferentes caminhos com este ator, pediu então que colocasse a vestimenta da bruxa novamente e começasse a dar o texto do Hamlet como esta bruxa. Aos poucos Gaulier foi “limpando a bruxa” do ator, embora este ainda permanecesse com a indumentária da mesma. Gaulier criou com o ator uma “terceira coisa”, nem o Hamlet boring e clássico do início, nem a bruxa de MacBeth dizendo o texto de Hamlet, mas sim um Hamlet possível de existir agora na imaginação do espectador, uma sensibilidade no ator que fez com que este desconstruísse as idéias pré-concebidas a respeito de Hamlet ao mesmo tempo recuperasse o prazer de estar em cena ao passar novamente pela bruxa que tinha gostado tanto de fazer. A esta terceira coisa é difícil de nomear, mas fácil dizer que aquilo sim poderia ser um Hamlet. E assim Gaulier ia experimentando uma série de possibilidades com os atores, tivemos um Iago que parecia a Britney Spears numa cena com um coro atrás, uma Ofélia surtada andando numa corda bamba, outro Iago com postura de um pedófilo etc. O que acontecia é que Gaulier não tinha nunca uma fórmula para se interpretar X ou Y personagem, e, tendo isso em vista, sempre propunha um contexto de elementos com o qual o ator podia jogar: músicas, parceiros de cena, figurinos, composições com objetos de cena (ambientação) etc. Sobre isso um dia comentou: nós temos que ver muitos diferentes caminhos para depois decidirmos por onde vamos.(Gaulier) Ainda sobre Hamlet, cabe aqui expor uma colocação de Gaulier que creio ter muito a ver com o que o próprio pensa a respeito de todos estes personagens oriundas de grandes autores como Shakespeare e Tchekhov: “Existe uma série de teses na universidade que definem Hamlet, que tentam saber quem ele é. Eu não sei quem é Hamlet, e espero que nunca saiba. Eu prefiro ficar com o fantasma de Hamlet na minha cabeça. (...) Quando você sabe quem é o personagem, isso é uma merda. Porque se você não sabe, você tem uma série de possibilidades.”(GAULIER em aula)

Outro momento dentro da metodologia de trabalho para Shakespeare e Tchekhov era o auto-curso. Durante toda a semana permanecemos tendo aulas de movimento (mais pra frente escreverei um texto só sobre estas aulas que até então foram negligenciadas aqui no blog) e, desde Melodrama (workshop anterior), vínhamos tendo também a parte denominada auto-curso. Isso consistia em 1h30min de trabalho diário na preparação de alguma cena que Philippe indicava no fim de uma semana para apresentarmos no fim da semana seguinte, isto é, todas as sextas-feiras tínhamos que apresentar uma cena preparada durante a semana. Se alguém ou algum grupo quisesse, poderia também abdicar da cena dada por Gaulier e preparar outra cena, mas isso era pouco feito no grupo. Neste sentido trabalhamos nas seguintes cenas para o auto-curso:

1ª Cena: entre Medvedenko e Macha, primeira cena de A Gaivota
2ª Cena: entre Nina e Trigorin no final do segundo ato de A Gaivota
3ª Cena: das Bruxas de MacBeth, ato 1 – cena 3
4ª Cena: primeira cena entre Petruquio e Catarina de A Megera Domada
5ª Cena: de livre escolha.

As cenas acima constituíam apenas parte das cenas trabalhadas, lembrando que durante a semana trabalhávamos improvisando em cima de várias outras cenas de diferentes textos de Shakespeare e Tchekhov propostos por Gaulier ou de nossa escolha. Bom, ainda sobre o workshop, listo abaixo alguns elementos importantes e algumas colocações de Gaulier nas aulas, aqui dispostos de maneira genérica e arbitrária, pois possuem diferentes focos, mas, de alguma forma, construíram o universo de trabalho que empreendemos no workshop.



Outros elementos presentes em Shakespeare/tchekohv:

- “As personagens de Tchekhov nunca falam a verdade” – Esta foi uma das observações de Gaulier para nos orientar genericamente sobre a questão dos discursos dos personagens de Tchekhov. Algo que apontava para uma necessidade que os mesmos tem em falar visando na verdade ocultar sob o discurso problemas que não podem vir à tona, suas frustrações, suas agonias etc...

- O perigo de se esconder atrás de uma idéia: isso era sempre ressaltado por Gaulier. Por mais que pudéssemos ter uma concepção em torno do “como” realizar as cenas, este “como” não podia ser um subterfúgio para o ator, como em algumas cenas aconteceram. Um exemplo foi uma cena em que um casal de atores apresentou Macha e Medvedenko totalmente descontextualizados, como se ambos estivessem em uma praia, passando protetor solar um no outro, sofrendo quando pisavam na areia quente etc. Philippe ao fim da cena ironicamente perguntou à platéia: “podemos dizer que esta cena nos agrada por que não vemos a maravilhosa a idéia que estes atores tiveram?”... Neste caso, a contextualização que os atores deram funcionava como uma espécie de fuga onde os atores não se preocupavam em encontrar um jogo na cena proposta dentro do texto de Tchekhov, isto é, colocaram uma série de elementos que os “escondiam” como atores.


- Estar aberto sempre para um jogo e para o prazer em toda cena:
A fim de esclarecer este ponto, dou um exemplo. Para fazermos a cena entre Arkádina e Treplev, onde aquela troca as ataduras deste, Philippe propôs um exercício. Antes da cena começar, a atriz que ia jogar a Arkádina era “premiada com um Oscar”, agradecia o prêmio, e, quando Gaulier batia em seu tambor, começava então a jogar Arkádina relacionando-se com o ator que jogaria Treplev. A idéia era a de que a aluna jogasse uma “grande atriz”, uma diva, e, desta forma, com o “prazer de ser uma diva”, começasse a cena com seu parceiro. A atriz não pudia mudar o estado do Oscar quando começasse a fazer a cena. Um dos momentos mais claros de toda esta vivência de 8 meses com Gaulier aconteceu neste exercício quando esta atriz, depois de umas 3 vezes tentando chegar neste “estado-diva”, finalmente conseguiu, fazendo que Philippe batesse o tambor a fim de que, com o mesmo estado, a atriz começasse a fazer a cena como Arkádina... tchan... tchan... tchan... E quando Gaulier finalmente bateu o tambor, a atriz realizou uma quebra de estado visível, como se só agora fosse começar a atuar, colocou uma seriedade e perdeu o prazer antes conquistado no exercício do Oscar, psicologizou, enfim... Embora tenha sido ruim para o trabalho pessoal da atriz naquele momento, este foi um dos momentos mais esclarecedores com Gaulier no que concerne à questão do prazer e do jogo na atuação. Gaulier, muitíssimo afiado e perspicaz neste dia, chamou a atenção do grupo neste exato momento e disse: “vocês viram? Viram a quebra? Este momento (de seriedade para fazer a cena, o momento de se “começar a atuar”) é o pior inimigo do ator. Você tem que dizer foda-se ao Stanislavski (Gaulier tem uma visão bastante restrita à 1ª fase de pesquisa de Stanislavski). Se vocês perdem o prazer, certamente vão fazer uma grande merda. (...) Enquanto público não podemos ver que o ator ‘começou a fazer uma cena’, quando vocês começam a atuar é terrível”.

- Estar aberto quando com um texto: à música, à relação com o colega, a um jogo com Gaulier etc. Isso diz respeito a diferentes recursos de Gaulier para, digamos, “abrir” o ator e seu texto para uma relação. Isso se relaciona com o tópico anterior na busca que o ator não caia numa atuação psicológica e demasiado auto-centrada, mantendo sempre conectado aquilo que está “dentro” (seus pensamentos, sensações e emoções) com aquilo que está “fora” (uma música, um colega, e, principalmente, o público).

- Não sublinhar a palavra com uma ação – Creio que este seja um tópico básico em qualquer formação atoral. O ator não deve realizar gestos que portem o mesmo sentido do texto que está dizendo. Isso em Tchekhov, por exemplo, é muito importante, pois seus personagens muitas vezes podem ter comportamentos completamente contraditórios aos seus textos.

- As vezes querer demais é um problema, mas querer de menos é pior ainda. Existe uma certa medida que o ator deve encontrar em sua “vontade de atuar”. As vezes querer demais se torna um problema para o ator, que, um tanto excitado com isso, atropela qualquer contato mais sofisticado entre ele mesmo e a personagem ou entre ele e a platéia. Mas, segundo Gaulier, é mais problemático quando você quer de menos. Quando você dá de si muito pouco. Este querer demais ou de menos também se relaciona com a questão da “beleza cênica” do ator. Você deve mostrá-la sempre, deve querer isso, é basicamente sobre isso que o ator trabalha e é esta a sua pedra preciosa pessoal, digamos assim. Mas se você quer demais mostrá-la, corre o risco de atropelá-la, se quer de menos, nem chega a existir em cena.

- Cuidar para não ser poeta dando os textos... “não queremos poetas, e sim atores”
Gaulier certa vez ironicamente comentou que existiam poetas na turma e não atores dando os textos. Aqui existia uma importância de se relacionar com o texto de forma fluída, sem demasiada solenidade e idealização de um grande texto.

- Atuar com o silêncio... Buscar o silêncio entre as falas e ações ... “a música do silêncio é tão importante numa peça!!!” (Gaulier em aula) Isso também foi um dos elementos solicitados por Gaulier, o jogo com o silêncio, utilizá-lo como parceiro de cena.

- “Quando você está em crise em um trabalho, você deve continuar no trabalho, vai fundo nos dois, e, normalmente, quando você chega no fundo da crise, algo interessante virá de lá.” (Gaulier em aula) De certa forma isso tem a ver com a própria idéia do FLOP (fracasso) já exposta anteriormente quando falei do workshop Le Jeu. Mas quando Gaulier disse isso em aula, ele não se referiu unicamente ao momento do fracasso em cena que você pode aproveitar e transformar ao seu favor. Aqui ele se referia a alguns atores que há muito tempo vinham “fracassando”. Gaulier disse aqui que quando se está em crise com o trabalho, você não deve mudar o trabalho, mas sim aprofundar a crise. Existe uma crença de Gaulier no poder deste processo doloroso que é o fracasso. De certa forma, para ele, é só a partir de uma entrada profunda no fracasso e na crise por ele detonada que os atores que enfrentam maiores dificuldades com o trabalho vão desencadear a transformação definitiva e necessária, transformação esta que se dá num espaço intermediário entre a arte e a vida, embora à Gaulier só interesse o que os atores fazem no palco. É como se a crise profunda tivesse o poder de despertar uma certa chama, uma vontade, uma decisão do ator em ser belo e pleno em cena. Mas é uma mudança que reverbera também na vida. Por isso Gaulier estimula o ator a permanecer na crise e ver até onde ela o levará, ao invés de encontrar subterfúgios para a mesma. Ainda sobre isso, Gaulier lembrou que, quando foi aluno de Lecoq, ainda no primeiro ano da escola, ele ficou 5 meses sem fazer qualquer exercício. Disse-nos que toda a vez que ele se levantava para fazer um exercício, Lecoq dizia para ele voltar a sentar, dizia que Lecoq não queria o ver. Por conta disso, Gaulier passou por uma grande crise, bebia, chorava, não entendia o por que Lecoq fazia isso, e só nos últimos meses do primeiro ano voltou a fazer os exercícios. Disse-nos que ficou muito surpreso quando viu seu nome na lista de alunos selecionados para realizar o segundo ano da escola de Lecoq (no fim do primeiro ano de formação somente metade do grupo é selecionado para realizar o segundo ano na escola de Lecoq). E enfim, depois trabalhou por 10 anos como assistente de Lecoq. Gaulier não nos explicou o por que Lecoq fez aquilo, mas ressaltou que foi depois disso que ele, enquanto ator, “explodiu”, e, de alguma forma, encontrou sua força expressiva.


Bueno, e são com estas colocações que finalizo o registro da jornada com Gaulier. Difícil ainda mesurar a importância de Gaulier na minha vida, mas, fácil de dizer que foi definitiva esta experiência. Tive de fato um encontro com um mestre, e hoje posso dizer que foi ele o meu mestre. Neste pós-experiência tão recente me sinto confuso e ainda bastante colado as suas visões e opiniões. Cabe agora realizar o descolamento e o devido transporte das informações, isto é, a apropriação pessoal de tudo o que estudei com ele. Mas talvez o que há de mais precioso em Gaulier é fazer com que cada ator veja o que é necessário para si. Ele sempre nos apontou caminhos, mas, na grande maioria das vezes, não esteve conosco durante os trajetos. Minha sensação pessoal é a de que percorríamos sozinhos, porque, antes de tudo, para mim, parece que Gaulier quer a todo o tempo fazê-lo perceber que para que você tenha êxito como ator você só depende de si mesmo. Nesse sentido, estar com Gaulier é estar muitíssimo e intensamente consigo mesmo, em tudo o que há de belo e de amedrontador nisso.
Não poderia deixar de lembrar aqui dos meus maravilhosos colegas que desde o início formaram um dos melhores grupos de trabalho dos quais eu já pude participar. Embora as nacionalidades fossem tantas, nos entendemos por termos como denominadores comuns ao grupo a generosidade e o acolhimento. Éramos na grande maioria estrangeiros em Paris, e, talvez por isso, decidimo-nos por acolhermos a nós mesmos e no final era como se fôssemos uma família. É já com muitas saudades de tudo isso que me despeço deste momento da minha vida, na esperança de que nos cruzemos pelas vielas da vida, na esperança de encontrar o mestre novamente.

Um beijo a todos,
Rodrigo.